“Ali se encontrava, sorrindo de lado, segura do seu encanto, os cotovelos dobrados e reluzentes, na simetria da sua constituição, dos contornos do seu corpo. À escuridão das axilas e seu intenso odor correspondia, num triângulo místico, a noite do sexo, da mesma forma que aos olhos correspondia a boca vermelha e epitelial e às corolas róseas dos seios o umbigo vertical e alongado. Accionados por um órgão central e por nervos motores que nasciam na medula espinhal, agitavam-se a barriga e o tórax, dilatava-se e contraía-se a cavidade pleuroperitoneal, e o ar, aquecido e humedecido pelas mucosas das vias respiratórias, saturado de secreções, libertava-se por entre os lábios, depois de ter combinado, nos alvéolos pulmunares, o seu oxigénio com a hemoglobina do sangue, para que a respiração interna se pudesse dar. Pois Hans Castrop compreendia que esse corpo vivo, na misteriosa uniformidade da sua constituição alimentada de sangue, ramificada de nervos, veias, artérias e vasos capilares, resumbrante de linfa, com o seu esqueleto feito de ossos alongados e cheios de tutano gordoroso, de outros mais pequenos e achatados, de vértebras, que se haviam consolidado a partir da sua substância primitiva, o tecido gelatinoso, recorrendo a sais calcários, a fim de suportarem esse mesmo corpo, com as suas cápsulas e cavidades lúbricas e lubrificadas, glândulas ricas em secreção, o sistema de trompas e fissuras da sua complexa superfície interna em comunicação com o exterior mediante um conjunto de orifícios, o corpo que assim pairava diante de si, esse eu vivo e ser particular, revelava-se então um conjunto de elementos anatómicos. Era a imagem da vida que tinha diante dos olhos, em plena floração, em toda a sua beleza física e carnal. Ela desprendera as mãos da nuca e os seus braços – que ela abria pondo a descoberto, na zona interior, sob a delicada pele do cotovelo, os vasos sanguíneos, essas duas ramificações das veias principais que se delineavam na sua coloração azulada -, esses braços eram de uma doçura inefável. Ela inclinou-se na sua direcção, para ele, sobre ele, e ele sentiu o seu aroma orgânico e o palpitar do seu coração. Uma delicadeza cálida envolveu o pescoço de Hans Castorp e no momento em que ele, desfalecendo de prazer e de pavor, pousava as mãos sobre a região externa desses braços, no ponto em que a pele granular, revestindo o tricípite, era de uma frescura deliciosa, sentiu nos lábios a húmida sucção do beijo dela.”
Thomas Mann, in “A Montanha Mágica” (1924)