“A televisão interessava-o menos. Mas seguia, com o coração apertado, a emissão semanal de A Vida dos Animais. As gazelas e os gamos, mamíferos graciosos, passavam os seus dias aterrorizados. Os leões e as panteras viviam num atordoamento apático atravessado por breves explosões de crueldade. Matavam, despedaçavam, devoravam os animais mais fracos, velhos ou doentes; depois tornavam a mergulhar num sono estúpido, unicamente animado pelos ataques dos parasitas que os minavam por dentro. Certos parasitas eram eles próprios atacados por parasitas mais pequenos; estes últimos eram por seu turno um terreno de reprodução para os vírus. Os répteis deslizavam entre as árvores, ferindo aves e mamíferos com os seus dentes venenosos; a menos que fossem subitamente retalhados pelo bico de uma ave de rapina. A voz pomposa e estúpida de Claude Darget comentava estas imagens atrozes com uma expressão de admiração injustificável. Michel fremia de indignação, e também a esse propósito sentia que se formava nele uma convicção inabalável: tomada no seu conjunto, a natureza selvagem não era mais do que uma obscenidade repugnante; tomada no seu conjunto, a natureza selvagem justificava uma destruição total, um holocausto universal – e a missão do homem na Terra era provavelmente consumar esse holocausto.”
Michel Houellebecq, in “As Partículas Elementares”, 1998