“O que é trans? Quem é trans? O que faz alguém trans? Temos a certeza de que existe, enquanto categoria? E, se assim for, temos a certeza de que tentar transformar alguém de um sexo no outro é sempre possível? Ou mesmo a melhor maneira de lidar com o dilema apresentado?
Não há outro assunto (ainda para mais afetando tão poucas pessoas) que tenha chegado tão rapidamente ao palco. O debate em torno dos direitos dos gays foi demasiado rápido para algumas pessoas, mas ainda demorou algumas décadas a passar da aceitação de que a homossexualidade existia e precisava de ser acomodada para a posição em que o casamento gay foi legalizado.
Em contraste, o trans transformou-se, em tempo recorde, em algo perto de um dogma. Ministros conservadores do governo inglês estão a fazer campanha par facilitar a mudança dos certificados de nascimento e a alteração do sexo de nascença. Uma autoridade local emitiu orientações educativas sugerindo que, para que as crianças transgénero se sintam mais aceites, os professores das escolas primárias digam que as crianças de “todos os géneros”, incluindo os rapazes, podem ter período.
Deve ser dito que não há nada de muito estranho acerca do ponto de partida do fenómeno “trans”. Hoje em dia, muitas coisas foram reunidas sob esta etiqueta. “Trans” tem sido usado – apenas nas últimas décadas – para descrever um conjunto de indivíduos, desde pessoas que ocasionalmente se vestem como alguém do sexo oposto, àqueles que fizeram cirurgias completas de mudança de sexo. E uma confusão inicial acerca de tudo isto é que alguns aspetos do “trans” são muito mais familiares que outros.
A consciência de algum esbatimento dos limites entre os sexos existe em quase todas as culturas e vai do transvestismo (pessoas que se vestem como membros do sexo oposto) até à transexualidade (sujeitar-se a uma série de procedimentos para se “tornar” do sexo oposto). Quaisquer que sejam os fatores evolutivos por trás disto, uma considerável gama de culturas adaptou-se à ideia de que algumas pessoas podem nascer num corpo mas desejar viver noutro.
Todo este assunto se tornou tão emotivo e incendiário que lidar com ele exige uma abordagem forense, embora nem essa seja alguma vez suficientemente exata para satisfazer toda a gente.
O aspeto do debate trans que se torna menos problemático de discutir é toda a questão do intersexo.
Intersexo é um fenómeno natural conhecido da profissão médica há séculos mas necessariamente obscuro para todas as outras pessoas. É o facto de uma pequena percentagem dos seres humanos nascer, ou com genitália ambígua, ou com outros atributos biológicos (por exemplo um clitóris invulgarmente grande ou um pénis invulgarmente pequeno), o que sugere que podem estar algures entre os dois sexos.
Estima-se que na América atual cerca de 1 em cada 2 mil crianças nasça com órgãos sexuais indeterminados, e cerca de 1 em cada 300 precisará dos cuidados de um especialista.
Algures ao longo do espetro das pessoas que nasceram intersexuais estão aquelas que nasceram com os convencionais cromossomas XX ou XY, a genitália resultante e tudo o resto a acompanhar, mas que acreditam – por razões que não estamos sequer perto de perceber – que habitam o corpo errado. Os seus cérebros dizem-lhes que são um homem, mas os corpos dizem que são uma mulher. Ou ao contrário.
A questão passa a ser se o que uma pessoa, ou mesmo muitas pessoas acreditam ser verdade acerca delas tem de ser aceite por outras pessoas ou não.
O que os trans defendem como objetivo final é irreversível e alterador da vida. As pessoas que exprimem preocupação ou incentivam à prudência em relação à transexualidade talvez não estejam a “negar a existência de pessoas trans” ou a afirmar que devem ser tratados como cidadãos de segunda classe, e muito menos (a acusação mais catastrófica de todas) a levar as pessoas trans ao suicídio. Podem estar simplesmente a aconselhar prudência em relação a algo que ainda não foi, nem de longe, totalmente percebido, e que é irreversível.
Uma preocupação que muitas pessoas dissimulam em público vem precisamente da irreversibilidade. Notícias de um aumento do número de crianças que afirmam ter disforia de género e o aumento das provas de um “efeito cluster” quando essas afirmações começam a ser feitas (ou seja, quando um certo número de crianças numa escola afirma viver no corpo errado, o número de afirmações similares cresce exponencialmente.
Questões sobre a idade em que as pessoas que acreditam viver no corpo errado devem ter acesso a drogas ou cirurgia merecem ser profundamente debatidas.
Porque é que uma jovem com características de maria-rapaz deve ser vista como uma transexual preparada para a operação? Porque é que um rapazinho que goste de se vestir de princesa tem de ser um transexual em potência?
Estimou-se que cerca de 80 por cento das crianças diagnosticadas com aquilo a que agora se chama disforia de género verão este problema naturalmente resolvido na puberdade. Ou seja, acabarão por se sentir à vontade com o sexo biológico com que foram identificadas à nascença. A maioria destas crianças tornar-se-ão gays ou lésbicas em adultas.
Como se deverão sentir os homens e mulheres gays em relação ao facto de, décadas depois de eles conseguirem ser aceites como são, uma nova geração de crianças que teriam crescido para serem gays ou lésbicas estarem a ser convencidos de que os seus traços femininos as tornam mulheres e os seus traços masculinos as tornam homens? E o que é que as mulheres devem pensar disso? Depois de anos a estabelecerem quais eram os seus direitos enquanto mulheres, serem as pessoas nascidas homens a dizer-lhes quais são os seus direitos.
O problema na atualidade não é a disparidade, mas a certeza – a certeza espúria com que um assunto incrivelmente obscuro é apresentado como se fosse a coisa mais clara e mais bem compreendida do mundo.”
[Excertos retirados da obra “A Insanidade das Massas” de Douglas Murray]