“O meu nome é Edward Joseph Snowden. Costumava trabalhar para o governo, mas agora trabalho para o público.
A minha carreira na Comunidade de Informação americana durou sete curtos anos, ou seja – e foi uma surpresa quando me apercebi disto –, só mais um ano do que o tempo do meu subsequente exílio num país que não escolhi. Durante esses sete anos, no entanto, tive a oportunidade de participar na mais significativa mudança na história da espionagem americana – a passagem da vigilância de alvos individualizados para a vigilância massiva de toda a população. Ajudei a tornar tecnologicamente exequível para um governo coligir as comunicações digitais do mundo inteiro, armazená-las por períodos indefinidos e consultá-las à vontade.
A minha geração fez mais do que reinventar o trabalho de recolha de informação: redefinimos o conceito de espionagem. Para nós, não se tratava de encontros clandestinos ou documentos deixados em lugares secretos, mas de dados.
Com vinte e seis anos era, no papel, empregado da Dell, mas mais uma vez trabalhava para a NSA. Mandaram-me para o Japão, onde ajudei a conceber o que na prática acabou por ser o backup global da agência – uma massiva rede clandestina graças à qual mesmo que a sede da NSA fosse reduzida a cinzas por um ataque nuclear havia a certeza de que nenhuma informação se perderia. Na altura, não me apercebi de que criar um sistema capaz de manter um registo permanente da vida de toda a gente era um trágico erro.
A minha equipa ajudou a agência a construir um novo tipo de arquitetura de computação: «a nuvem», a primeira tecnologia que permitia a qualquer agente, fosse qual fosse a sua localização física, aceder e pesquisar quaisquer dados de que precisasse, independentemente da distância.
Foi nestes projetos que me concentrei quando, com vinte e nove anos, fui para o Havai depois de ter aceite um novo contrato com a NSA. […] Foi só no paraíso que estive enfim numa posição que me permitia ver como todo o meu trabalho funcionava em conjunto, como as rodas dentadas de uma gigantesca engrenagem, para criar um masivo sistema de vigilância global.
Nas profundezas de um túnel sob uma plantação de ananases – uma antiga fábrica subterrânea de aviões da era Pearl Harbor –, sentava-me diante de um terminal que me dava acesso quase ilimitado às comunicações de praticamente qualquer homem, mulher ou criança que à face da Terra usasse um telefone ou um computador. Entre essas pessoas havia cerca de 320 milhões de cidadãos americanos, meus compatriotas, que na condução normal das suas vidas quotidianas eram vigiados numa grosseira contravenção não só da Constituição dos Estados Unidos como dos valores básicos de qualquer sociedade livre.
A razão por que está a ler este livro é eu ter feito uma coisa muito perigosa para alguém na minha posição: decidi dizer a verdade.”
Edward Snowden in “Vigilância Massiva, Registo Permanente”, 2019