O “populismo” está por todo o lado. Em cabeçalhos de jornais, nas narrativas das notícias, nos telejornais e nos discursos políticos e não políticos. Mas, afinal, o que é o populismo?
Encontrei a melhor resposta a esta pergunta no livro “Populismo – A Revolta Contra a Democracia Liberal” de Roger Eatwell e Matthew Goodwin.
Segundo os autores, os nacionais-populismos que vemos hoje florescer “põem em primeiro lugar a cultura e os interesses da nação e prometem fazer ouvir a voz de um povo que se sente negligenciado, até mesmo desprezado, por elites distantes e, amiúde, corruptas.”
Mas como chegamos até aqui? Porque existe hoje esta tendência, cada vez mais evidente, de políticas populistas em todos os espectros políticos?
Ao contrário do que se tenta fazer crer na luta pelo descrédito deste “vírus”, o nacional-populismo levanta preocupações legítimas que milhões de pessoas querem debater e resolver. Entre essas podemos enumerar:
O modo como as elites se isolaram cada vez mais das vidas e das preocupações do cidadão comum; A erosão do Estado-nação que se acredita ser a única estrutura capaz de organizar a vida em termos políticos e sociais; A capacidade das sociedades ocidentais para absorverem as taxas de imigração ao mesmo tempo que se dá uma “mudança hiperétnica” sem precedentes; A desigualdade criada pela fundação económica ocidental que relega para segundo plano certas faixas da sociedade; As agendas cosmopolitas da globalização que ninguém sabe onde nos levarão como sociedade;
Por outro lado, o nacional-populismo tem sido muitas vezes conotado como racista ou xenófobo e, se é certo que alguns nacionais-populismos o são de facto, não devemos generalizar nem ignorar o que subjaz a estas manifestações.
Em “Populismo – A Revolta Contra a Democracia Liberal”, os autores traçam um retrato crucial para o entendimento de como aqui chegamos desde a criação da democracia-liberal que, tal como a conhecemos, não conta com mais de 100 anos de história. O seu desenvolvimento, a desconfiança política que se reforça cada vez mais graças ao fosso entre as elites e os eleitores, a desigualdade crescente, a falha do pluralismo, as questões de identidade, a imigração, a raça, o género e a diversidade, a discriminação contra os brancos, as preocupações tradicionais de esquerda e de direita, a diferença entre o populismo o fascismo e a extrema-direita, o problema da democracia direta e dos referendos, as crises de refugiados, o politicamente correto, etc., são apenas alguns dos temas que se entrelaçam na complexidade social e política contemporânea.
Vivemos, hoje, uma época de mudanças a vários níveis e uma desadequação política cada vez maior. A conjugação destes fatores desagua, invariavelmente, em manifestações populistas a que devemos dar atenção. Afinal, elas nascem de preocupações genuínas e são tudo menos frívolas.
Rock & Rolla
Excerto:
“Até académicos de esquerda, como é o caso de Mark Lilla, associam a crescente polarização da América à ascensão do “liberalismo de identidade”, uma crescente fixação ou quase total obsessão entre os democratas e a esquerda liberal com a raça, o género e a “diversidade”, ao invés de terem preocupações tradicionais de esquerda, tais como o que fazer para melhorar as condições de todos os trabalhadores e combater a desigualdade.
Hillary Clinton falou muito sobre afro-americanos, latinos, comunidades LGBT e mulheres, mas falou muito menos sobre caucasianos da classe operária sem formação superior. Quando muitos destes se voltaram contra Trump, foram descritos como “homens brancos furiosos”, uma caricatura enganosa que isenta os liberais de reconhecerem como a sua obsessão com a diversidade incentivou estes eleitores a encararem-se a si próprios como um grupo em desvantagem que estava a ser ignorado e cuja identidade estava a ser ameaçada. Estavam a reagir contra a crescente retórica da diversidade, ou aquilo que entendiam como “politicamente correto”.
O reforço ao apoio do nacional-populismo por parte de pessoas que sentem que foram afastadas do debate e que, quando tentam dar voz às suas preocupações, são estigmatizadas como racistas.”
[Roger Eatwell e Matthew Goodwin in “Populismo”, Edições Saída de Emergência, 2019]