“Quando o autocarro chegasse eu sentar-me-ia no assento mais próximo da porta da frente, do lado oposto ao motorista, e veria a paisagem desenrolar-se à minha frente tal como a vira a desenrolar-se anteriormente naquela mesma noite, só que no caminho inverso. Já queria voltar a regressar de autocarro, e regressar outra vez, durante não sei quantos meses. Iria apanhar aquele autocarro nos domingos de manhã, nos sábados à tarde, nas noites de sexta, e nos serões de quinta. Iria apanhá-lo à neve, nos dias ensolarados da Primavera e, no caminho de regresso nas longas tardes de Outono, quando a incandescência da luz a desvanecer-se ainda brilha sobre os edifícios do Riverside Drive, e eu pensaria em Clara a escrever a sua tese acerca de Folías e em Clara no terraço, a falar-me de Teaneck e das Noites Brancas de Dostoiévski enquanto observávamos o feixe a esboçar círculos por cima de Manhattan. A viagem de autocarro tornar-se-ia parte da minha vida. Porque iria conduzir exactamente àquele edifício, ou passar por ele e recordar-me que a qualquer momento eu ia sair duas paragens mais à frente num nevão de conto de fadas e regressar a uma festa de natal como se o meu nome estivesse permanentemente escrito numa lista de convidados à entrada do prédio. Eu apanharia aquele autocarro talvez muito depois de todos os outros se terem mudado para fora de Nova Iorque. Iria voltar àquele lugar temendo ter deixado qualquer coisa para trás, sabendo que o que deixamos para trás é a sombra do eu, e que esta sombra é a mais verdadeira e duradoura de todos os nossos eus.”
André Aciman, in “Oito Noites Brancas”, 2012