O Pós-Guerra de Sartre e Beauvoir, por Hazel Rowley

O Pós-Guerra de Sartre e Beauvoir, por Hazel Rowley

“Os seus nomes estavam por todo o lado. Existencialismo tornara-se uma palavra de ordem. A peça de Sartre Huis-clos fora o furor da época teatral. Em Setembro e Outubro de 1945 o romance de Beauvoir, O Sangue dos Outros, e os primeiros dois livros da trilogia de Sartre, A Idade da Razão e Pena Suspensa, apareceram ao mesmo tempo nas montras das livrarias. E nos quiosques havia uma nova publicação à venda, Les Temps Modernes, com Jean-Paul Sartre como editor-chefe e Simone de Beauvoir entre nomes do comité editorial.

No dia 29 de Outubro Sartre constava do programa do Club Maintenant para dar uma palestra. O título “O Existencialismo é um Humanismo”, era bastante sério, e Sartre esperava que a assistência fosse reduzida. Estava uma noite quente de Outono. Sartre foi de metro. Quando virou a esquina ficou estupefacto ao ver uma enorme multidão à porta. Precisou de quinze, minutos a abrir caminho entre as pessoas, para chegar ao pódio.

Sartre falou animada e despretensiosamente, como se estivesse em frente aos seus alunos. Observou que, embora a palavra existencialismo estivesse muito em voga, quase ninguém sabia o que significava. Surpreendentemente, ela tinha regra geral conotações de decadência.

Na verdade, o existencialismo não era uma filosofia positiva nem negativa, disse Sartre à sua audiência. A doutrina dizia que, uma vez que Deus não existe, o homem faz-se ele próprio. Não há uma natureza ou uma essência humana a priori. Não nascemos cobardes ou preguiçosos; escolhemos sê-lo. “O homem é responsável por aquilo que é… Estamos sozinhos, sem desculpas. É isto que quero dizer quando digo que o homem está condenado a ser livre.”

Se muitas pessoas não gostavam desta filosofia, continuou Sartre, era porque preferiam arranjar desculpas para si próprias, dizer a si próprias que as circunstâncias estavam contra elas. “Nunca tive um grande amor ou uma grande amizade, mas apenas porque nunca conheci a pessoa certa”, diziam. Segundo Sartre, essas pessoas estavam a mentir a si próprias quanto à sua liberdade. Isto era “má-fé”.

O existencialismo não tinha a ver com possibilidades ou intenções, disse Sartre, mas apenas com projetos concretos. Ninguém era um génio, a menos que isso estivesse expresso nas suas obras. O mesmo se aplicava ao amor. “Não há amor exceto aquele que é construído, não há a possibilidade de amor exceto aquele que se manifesta numa relação amorosa.” Daí o slogan existencialista: “A existência precede a essência.”

Um jovem trompetista de jazz da moda, Boris Vian, imortalizaria essa noite no seu primeiro romance, A Espuma dos Dias. No romance, Paris fervilhava de excitação: a sua nova estrela intelectual, Jean-Sol Partre, vai dar uma palestra.

Depois dessa noite memorável, não havia semana em que não saísse nos tabloides um mexerico qualquer sobre o casal existencialista.

Assim que o recolher obrigatório foi levantado, começaram a aparecer novos clubes de jazz e estabelecimentos de dança em Saint-Germain. Segundo os tabloides, estes eram frequentados por jovens vagabundos chamados “existencialistas”, que passavam os seus dias em cafés existencialistas a ouvir jazz existencialista. Um grupo de pessoas selvagens e sombrias, que por vezes recorriam a suicídios existencialistas.

Não era por coincidência que o existencialismo causara tal efeito no mundo do pós-guerra. Os leitores de Sartre tinham vivido o Holocausto e a bomba atómica. Depois de descobrirem a história, com a sua faceta mais selvagem, tinham perdido a fé no progresso eterno. O que era tão refrescante era que o existencialismo reconhecia o horror e o absurdo da condição humana, enquanto ao mesmo tempo insistia na liberdade individual e na escolha.”

 

Hazel Rowley, in “Satre e Beauvoir”, 2007