A Triste Despedida de uma Avó, por Michel Houellebecq

A Triste Despedida de uma Avó, por Michel Houellebecq

“A sua tia Marie-Thérèse e a sua prima Brigitte estavam à espera dele no patamar do sétimo andar; era visível que tinham chorado. “Não sei se deverás ir vê-la…” disse Marie-Thérèse. Ele ignorou a objeção. O que tivesse de ser vivido, ele vivê-lo-ia.

Era um quarto de cuidados intensivos, onde a avó estava sozinha. O lençol, de uma brancura extrema, deixava-lhe a descoberto os braços e os ombros; ele teve dificuldade em desprender o seu olhar dessa carne despida, enrugada, alvacenta, terrivelmente velha. Os braços dela perfundidos estavam amarrados por correias à borda da cama. Um tubo canelado penetrava-lhe a garganta. Sob o lençol passavam fios, ligados a aparelhos registadores. Tinham-lhe tirado a camisa de noite; não a tinham deixado voltar a compor o rolo de cabelo, como todas as manhãs ao fio dos anos. Com aqueles cabelos grisalhos desatados e compridos, já não era completamente a sua avó; era uma pobre criatura de carne, ao mesmo tempo muito jovem e muito velha, agora abandonada entre as mãos da medicina. Michel pegou-lhe muitas vezes na mão, ainda recentemente assim era, com dezassete anos já feitos. Os olhos dela não se abriram, mas talvez, apesar de tudo, a avó tivesse reconhecido o seu contacto. Ele não lhe apertava a mão com muita força, tomava-a simplesmente na sua, como antes fazia; esperava muito que ela reconhecesse o seu contacto.

Esta mulher tivera uma infância atroz, a trabalhar na quinta desde os sete anos de idade, no meio de semibestas alcoólicas. A sua adolescência fora demasiado breve para que dela ela guardasse uma recordação real. Depois da morte do marido trabalhava na fábrica ao mesmo tempo que criava os seus quatro filhos. Com mais de sessenta anos, reformada havia pouco, aceitara ocupar-se uma vez mais de uma criança pequena – o filho do seu filho. A este também nada faltara – nem roupa lavada, nem bons almoços aos domingos de manhã, nem amor. Tudo isso, na vida dele, fora ela a fazê-lo. Um exame moderadamente exaustivo da humanidade deverá necessariamente ter em conta este tipo de fenómenos. Seres humanos assim, historicamente, existiram. Seres humanos que trabalhavam a vida toda, e que trabalhavam duramente, unicamente por dedicação e por amor; que davam literalmente a sua vida aos outros num espírito de dedicação e de amor; que não tinham todavia a mais pequena impressão de estarem a sacrificar-se; que não encaravam de facto outra maneira de viver que não fosse darem a sua vida aos outros num espírito de dedicação e amor. Na prática, esses seres humanos eram geralmente mulheres.

Michel ficou na sala perto de um quarto de hora, com a mão da avó na sua; veio depois um interno preveni-lo que dentro em breve a sua presença se tornaria incómoda. Talvez houvesse alguma coisa a fazer; não uma operação, não, isso era impossível; mas talvez apesar de tudo, alguma coisa, em suma nada estava perdido.”

 

Michel Houellebecq, in As Partículas Elementares, 1998