Diary: A Insusutentável Leveza das Redes Sociais

Diary: A Insusutentável Leveza das Redes Sociais

Como viver numa realidade onde quase tudo se descredibilizou? É impossível negar que o mundo se tem vindo a transformar numa multiplicidade de mundinhos, pequenos e tacanhos, facilmente confundidos com nichos religiosos, que apregoam as mais recentes certezas absolutas.

Se há coisa que me faz confusão nos dias de hoje é o excesso de certezas. Toda a gente sabe tudo, toda a gente conhece tudo, toda a gente se sente dona e senhora da verdade! Se as pessoas pensassem um bocadinho percebiam facilmente o quão ridículo é acharem-se o último repositório do Santo Graal. Em último caso, a verdade pode nem existir, ou não fosse ela um conceito abstracto da percepção humana.

É no mínimo estranho termos chegado até aqui. Afinal, a ciência não se cansa de nos dizer que não paramos de evoluir. Mas também este conceito me parece um pouco abstracto. Está comprovado (cientificamente!) que o homem nunca fez tantas coisas ao mesmo tempo, nunca teve acesso a tantas informações, nunca as distâncias foram tão curtas e a comunicação nunca foi tão possível, no entanto, está também provado (cientificamente!) que o homem nunca esteve tão sozinho, ou não vivêssemos nós no auge da cultura individualista da pós-modernidade.

Criam-se relações em segundos que são destruídas ainda mais rápido. Nada do que vale hoje tem significado amanhã. O ontem apaga-se com uma borracha ou com a tecla delete. As palavras deixaram de ter valor, deixaram de se escrever a tentar construir o que quer que seja, para se tornarem simples máximas que se aplicam a tudo, desde que tenham menos de 140 caracteres. A intransigência em relação à multiplicidade de perspectivas é cada vez maior, há cada vez menos paciência para questionar e aprender e há cada vez mais certezas em relação aos mais diversos assuntos. Vivemos numa sociedade que está sempre pronta para condenar o próximo e nem percebe o quão condenável isso é!

Ora, o que ressalta daqui é uma onda de frustração e revolta que facilmente se confirma nessas redes de sociabilidade virtual em que o humano de hoje despeja as angústias nos mais variadíssimos formatos. Não sei se será o excesso de informação a ser confundido com conhecimento ou se será a constante insegurança que é a vida hoje a colher os seus frutos, o certo é que algo de grave se passa quando o mundo virtual passa a ser usado como repositório de certezas inabaláveis, opiniões sem o mínimo de referência (que muitas vezes roçam o ridículo) e auto-elogios constantes sob a forma de fotografias filtradas com o máximo de brilho possível. E o problema é que a solução para esta “insustentável leveza do ser” não chega por email nem está no google.

E, diga-se de passagem, é muito mais fácil continuar em frente, erguer a cabeça e voltar a recolher auto-estima no eu que se auto-fotografa do que questionar os alicerces em que assenta o mundo. A necessidade de pensar perdeu-se quando o umbigo tomou o lugar do cérebro.

 

Rock&Rolla, 2019