“Falar-vos de humor preocupa-me, porque não há nada mais terrível do que falar do humor com seriedade, e também é difícil falar de humor com humor, porque então o humor lá se arranja para nos fazer dizer coisas diferentes das que pretendíamos dizer, desde logo porque ninguém sabe o que é o humor e, como no caso da música na literatura, costuma haver também uma confusão bastante perigosa entre o humor e a simples comicidade.
Há coisas que são cómicas, mas que não contêm aquela coisa indizível, indefinível, que existe no verdadeiro humor. Para dar um exemplo muito simples, oriundo do cinema, vejamos dois atores bastante conhecidos na atualidade: Jerry Lewis é para mim um cómico e Woody Allein um humorista. A diferença está em que um Jerry Lewis se limita a criar situações que farão rir momentaneamente, mas que não têm qualquer projeção posterior; declinam na piada, são sistemas de circuito fechado, muito fugazes, que podem ser muito belos e é uma sorte existirem, mas que na literatura não me parece que tenham tido consequências relevantes. Em contrapartida, qualquer um dos efeitos cómicos que Woody Allen consegue nos seus melhores momentos está cheio de um sentido que vai muitíssimo além da piada ou da própria situação: contém uma crítica, uma sátira ou uma referência que pode ser até bastante dramática, como começa a ver-se agora nos seus últimos filmes.
Podemos delimitar ainda mais o humor se dissermos, pensando no humor em literatura, que, se analisarmos um fragmento que contém esse elemento humorístico, a intenção é quase sempre dessacralizar, derrubar uma certa importância que algo possa ter, um certo prestígio, um certo pedestal. O humor está continuamente a passar a lâmina pela base de todos os pedestais, de todas as pedanterias, de todas as palavras com muitas maiúsculas.
O humor dessacraliza, não num sentido religioso, porque não estamos a falar do sagrado religioso: dessacraliza num sentido profano. Aqueles valores que damos por adquiridos e que costumam merecer das pessoas uma enorme deferência, o humorista costuma destruí-los com um jogo de palavras ou com uma piada. Não é exatamente destruir, é fazê-los descer por um instante do pedestal e expô-los a outra situação. Há como que uma revogação, um retrocesso na importância aparente de muitas coisas, e é por isso que o humor tem, na literatura, um valor extraordinário, pois é a ele que muitos escritores admiravelmente recorrem para, ao diminuírem as coisas que pareciam importantes, mostrarem simultaneamente o que verdadeiramente tem importância.
O humor pode ser bastante destrutivo, mas ao destruir constrói. O mecanismo do humor funciona um pouco assim: derruba valores e categorias usuais, vira-os do avesso, revela o que existe no seu avesso e, de repente, pode ressaltar coisas que rotineira e habitualmente, no conformismo quotidiano, não víamos ou víamos menos claramente.
Toda a gente sabe que o humor é um produto literário que vem quase diretamente da literatura anglo-saxónica, sobretudo a partir do século XVIII. As literaturas do resto do mundo contêm decerto a sua dose de humor, porque houve sempre grandes humoristas, desde os gregos e romanos, mas o emprego sistemático do mesmo, a partir dos séculos XVII e XVIII, por parte dos escritores ingleses, foi mostrando à literatura moderna, a pouco e pouco, que o humor não era um elemento secundário suscetível de ser usado apenas acessoriamente, mas que, pelo contrário, se podia aplicar nos momentos mais críticos e capitais de uma obra para revelar colateralmente o seu fundo trágico, o dramatismo que passava às vezes despercebido.”
Júlio Cortázar, in “Aulas de Literatura Berkeley, 1980”